O Vale agora mira o mercado interno

Ainda lutando para se recuperar da crise financeira global, produtores do São Francisco tentam conquistar agora o consumidor brasileiro


PETROLINA - Diante de um câmbio ainda pouco vantajoso e de um mercado externo que perdeu a referência de preço depois da crise econômica global, os produtores de frutas do Vale do São Francisco começam a embalar as uvas e as mangas para a exportação deste ano – marcada para começar nos próximos dias. O Vale ainda se refaz de um dos períodos de maior dificuldade vividos pelas fazendas. A estimativa é que dos 12.100 hectares plantados de uva, por exemplo, entre 800 e 1.000 hectares estejam parados, em grande parte, pela falta de recursos gerada pelos péssimos resultados de 2008. Mas a crise também serviu para “acordar” os empresários da fruticultura para o consumo interno, mercado que vem se tornando interessante diante do preço pago e dos riscos menores na hora da comercialização. Espera-se que as exportações das principais culturas (uva e manga) caiam entre 35% e 40% este ano, e a venda interna avance. Alguns empresários chegam a projetar mais que dobrar suas vendas para o brasileiro, que até então só conhecia o chamado refugo do Vale do São Francisco.


Nesse contexto, a Fiacadori Agrícola – empresa que soma 80 hectares plantados de manga, sete de uva, e outros 14 divididos entre caju, goiaba e abacate – já acionou um representante de São Paulo para ampliar as negociações no mercado local. Este ano a empresa decidiu paralisar metade da produção de manga para acompanhar os resultados. “Estamos revertendo para manga orgânica e resolvemos não produzir em 40 hectares. Também não tínhamos certeza do preço que seria pago e ficamos inseguros”, explica José Carlos Fiacadori Neto. A insegurança da Fiacadori está pautada nos resultados de 2008/2009. “Chegamos a ter que pagar em algumas operações”, disse. O caso não foi isolado, e muitas empresas acumulam prejuízos pelo preço da uva, que alcançou um terço do programado inicialmente.


Em janeiro, o Jornal do Commercio publicou uma série de reportagens abordando as várias faces da crise econômica sobre o Vale. Na fazenda Fiacadori Agrícola, encontrou 30% da safra de manga no chão porque o quilo era vendido a R$ 0,05 e nem sequer cobria os custos. Na semana passada, a reportagem voltou ao local e constatou que para bancar os sete hectares de uva nesta safra, a empresa precisou vender um carro e um caminhão, obtendo R$ 200 mil, além de ter refinanciado débitos junto ao Banco do Nordeste do Brasil (BNB). “Estimamos 170 mil quilos só de uva sem semente. Podíamos ter produzido mais, mas a chuva também atrapalhou a produtividade”, completou o empresário, listando outra dificuldade registrada pelos fazendeiros.


Com uma estimativa de que existam cerca de 4 mil produtores no Vale do São Francisco, o BNB somou até agosto entre Juazeiro e Petrolina 177 operações de renegociação de débito, totalizando R$ 55,1 milhões com alongamento de pagamento por conta da crise. Outra etapa foi a recolocação de créditos, com 282 novos contratos, gerando R$ 50,5 milhões.


O vice-presidente da Associação dos Produtores e Exportadores de Hortifrutigranjeiros e Derivados do Vale (Valexport), Arthur Souza, reconhece que durante anos o Vale deu as costas para o mercado interno, motivado pela diferença de preço que já chegou a 30% e hoje está estimada em 20%. “Durante anos, colocamos para o Brasil apenas o que sobrava das exportações. Deixávamos o que não tinha qualidade e vendíamos para fora a melhor fruta. Hoje, reconhecemos que foi uma estratégia equivocada”, comentou. Ele mesmo, proprietário da Amadeus Importação e Exportação, com 40 hectares, exportava 96% da produção e vendia internamente apenas 4%. “Quero chegar a 10%”, comentou.


O presidente da Câmara de Fruticultura de Petrolina, grupo criado em março com o propósito de debater os problemas e as soluções para o setor no Estado, Vilmar Cappellano, reforça que a situação do Vale é complexa e não se resume à herança deixada pela crise. “Precisamos assegurar condições melhores de juros. A taxa (Selic) caiu, mas o crédito rural continua no mesmo patamar, entre 6% e 12% ao ano. Outro problema é que não temos um preço mínimo para os produtos ao mesmo tempo que não podemos estocar”, comenta Cappellano.


Ele ressalta que o Vale produz uva de excelente qualidade, mas precisa reforçar as estratégias de comercialização. Atrapalhada também pelas chuvas acima da média histórica, a estimativa da Câmara é de que a produção deste ano seja até 30% inferior a de anos normais. Com relação à aposta no mercado interno, ele destaca outro ponto positivo. “A liquidez da comercialização do mercado interno é maior, leva entre 30 e 45 dias, já o do externo normalmente só fecha em fevereiro”, explica Cappellano.


O Manga Brasil, um projeto que une 80 produtores em Juazeiro, na Bahia, e que este ano já sofreu o rescaldo da crise com a redução de 50% em um único contrato dentro do chamado fair trade (preço justo), também quer reforçar sua atuação no Brasil “Eles do fair trade compravam normalmente dez contêineres e reduziram para cinco. Mas vão voltar a negociar”, espera um dos integrantes do grupo, Josival Pereira. O consumidor do mercado justo paga mais caro pela fruta proveniente de projeto de cooperativas, como a Manga Brasil. “Com a crise, as pessoas começaram a fazer conta e optar por frutas mais baratas”, completa Marcelo Paranhos, gestor contratado pelo Manga Brasil para auxiliar na comercialização. “Queremos trabalhar mais o mercado interno e convencer o produtor a diluir sua produção ao longo do ano. O preço interno no primeiro semestre é muito bom. Mas criou-se a cultura de direcionar a colheita para o segundo – quando há exportação. Hoje, o mercado interno está pagando bem, em torno de R$ 1 por quilo”, comentou.