Isoeste, Schioppa, Grupo Bertin, EBSE, Rexam, Lanxess, Coca-Cola. O que essas empresas têm em comum? Todas anunciaram a instalação de novas fábricas ou aumento de capacidade produtiva em Pernambuco nos últimos três meses. E todas, independentemente do ramo em que atuam, estão de olho não apenas no potencial do mercado pernambucano. Elas enxergam mais longe. Querem pegar uma carona na nova locomotiva do desenvolvimento do país: o Nordeste, região que vem apresentando um crescimento médio acima do brasileiro. O comércio anda aquecido. A indústria superou mais rapidamente a crise. O Nordeste, enfim, virou a bola da vez.
O dinamismo econômico da região pode ser traduzido em números que vão da produção ao consumo. Menos dependente das exportações e mais focada no mercado interno, a produção industrial nordestina caiu apenas 4,89% em 2009, enquanto que no Brasil a queda foi de 7,39%. "A queda não foi maior justamente por causa dos setores focados no consumo interno, que estão na base industrial do Nordeste. O de bebidas cresceu 7,1% e o de alimentos recuou apenas 1,7%", comenta o gerente da Pesquisa Industrial Mensal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), André Macedo.
Se a indústria nordestina caiu apenas 4,89% em um cenário de crise internacional, é porque a demanda interna está mais aquecida do que no restante do país. O volume de vendas no varejo mostra exatamente isso. Enquanto que no Brasil esse índice evoluiu 6,9% em 2009, chegando a 7,4% no Sudeste, considerada a região mais rica do país, no Nordeste subiu 8,1%, considerando o varejo tradicional mais as categorias automóveis, motos e peças e material de construção.
Segundo o gerente da Pesquisa Mensal de Comércio do IBGE, Reinaldo Pereira, as atividades de hiper e supermercado têm um grande peso no varejo nordestino e têm puxado os resultados da região. "É claro que outros agregados macroeconômicos, como a redução do IPI para automóveis, linha branca e material de construção também pesam napesquisa, mas as atividades ligadas a alimentos e bebidas têm um peso maior", diz Pereira. Uma pesquisa feita pela Nielsen mostra que o volume de vendas do setor supermercadista registrou expansão de 5,6% no Nordeste (menos o Maranhão e o Piauí), enquanto que o Brasil teria crescido 3,2%.
Se observarmos a série histórica de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todas as riquezas produzidas, notaremos que a economia nordestina começou a se descolar da brasileira em 2002. Até 2006, a região apresentou crescimento superior ao do Brasil, caindo um pouco em 2007. Apesar disso, quando consideramos a média dos últimos dez anos, temos 3,05% contra 3,47%. O detalhe é que ainda não temos uma estimativa para o PIB nordestino dos anos de 2008 e 2009, ou seja, essa média ainda pode crescer.
"O Nordeste está crescendo acima da média brasileira e de regiões mais ricas. É por essas razões que cada vez mais empresas produtoras de bens e serviço estão buscando se instalar na região. Elas não estão vindoà toa. Fizeram estudos de mercado", comenta o sócio-diretor da Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan), Jorge Jatobá.
Renda maior puxa consumo
E por que o Nordeste estaria consumindo mais do que o restante do país? Uma das explicações está no aumento de renda. Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontou que 22 milhões de brasileiros migraram para a classe média nos últimos anos. Desses, 5,3 milhões (quase um quarto) estão no Nordeste. Resultado de uma combinação de diversos fatores. Começando pelos aumentos reais (acima da inflação) no salário mínimo, que chegou a se valorizar 87% entre 1995 e 2010.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, o rendimento médio real de todos os trabalhos no Nordeste pulou de R$ 398, em 2002, para R$ 568, em 2008, um crescimento de 6,1%. O rendimento médio real no Brasil é maior (passou de R$ 669 para R$ 937), mas a evolução foi de apenas 5,8% no mesmo período. O rendimento de todos os trabalhos inclui assalariados e autônomos. O emprego formal também vem aumentando na região - cresceu 6,5% entre 2004 e 2008.
Ao conquistar um emprego ou melhorar de renda, as pessoas consomem mais. Foi o que aconteceu com o empresário Marcelo Jamir, 28 anos. Ele trabalhava como autônomo quando surgiu a oportunidade de montar, juntamente com dois sócios, uma empresa de prestação de serviços na área de informática. Com isso, sua renda aumentou 60% nos últimos quatro anos (média de 15% ao ano), e ele decidiu se casar com a namorada, Fanny Acioli, 25 anos.
Recentemente, o casal comprou um apartamento, que fica no bairro de Jardim São Paulo e estará pronto para morar em 2011. Fator decisivo? Crédito. Eles vão pagar o imóvel, que custa R$ 120 mil, em 30 anos, dentro do programa Minha casa, minha vida. Até casar e começar a morar na casa nova, Marcelo e Fanny vão alimentar o apetite dessas empresas que estão se instalando ou se expandindo no Nordeste de olho no crescimento do consumo. Afinal, vão precisar comprar tudo para montar a casa - de geladeira a fogão, micro-ondas, louças, cama, armários, sofá, cortinas, TV, som, DVD... A lista é enorme. Depois? Vão frequentar o supermercado ao menos uma vez por mês,fazendo girar ainda mais a roda do consumo.
Do outro lado da ponta estão os nordestinos beneficiados pelos programas de transferência de renda do governo federal. E não apenas o Bolsa Família, que tem 53% de seus 12,5 milhões de beneficiários no Nordeste. A transferência se dá também pelo seguro-desemprego, benefício para idosos e deficientes, aposentadoria rural, abono salarial.
"É um conjunto harmonioso de fatores, que passa pela consolidação de políticas de desenvolvimento econômico e social - aumento do crédito, transferência de renda, aumento do mínimo. Isso tudo eleva a demanda por bens de consumo, que por sua vez gera mais emprego, melhora a massa salarial e gera mais demanda. É um círculo virtuoso", explica o economista Jorge Jatobá, da Ceplan. (M.B.)
Políticas impulsionam desenvolvimento
Infraestrutura // Programas como o PAC acabam beneficiando mais o Nordeste do que outras regiões, por ser a mais carente
O Brasil não tem mais uma política de desenvolvimento regional efetiva. A tentativa de ressuscitar entidades como a Sudene não deu certo, mas o fato é que o Nordeste é a região que mais vem se beneficiando com a implementação de políticas nacionais. Quando o governo federal aumenta o salário mínimo, é o Nordeste quem mais sai ganhando, porque aqui há mais pessoas que recebem o piso. Assim também acontece com o Bolsa Família, uma vez que a região é muito pobre.
Uma dessas políticas nacionais, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vem impulsionando bastante o desenvolvimento no Nordeste. Não por acaso, a região sempre foi muito carente de infraestrutura e acabou abocanhando cerca de 25% dos recursos, embora participe com 14,5% do PIB brasileiro. Projetos como a construção da ferrovia Transnordestina e a transposição de águas do Rio São Francisco criam emprego e renda em regiões remotas de diversos estados, sem falar na duplicação da BR-101.
"Os investimentos federais têm provocado um dinamismo muito grande na economia regional. Por isso são importantes, porque geram emprego e renda, possibilitando uma expansão ainda maior do mercado consumidor", analisa o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado federal Armando Monteiro Neto (PTB-PE). Fora isso, há investimentos significativos - públicos e privados - nos polos industriais regionais, como Suape e Pecém. Empreendimentos como a Refinaria Abreu e Lima, o Pólo Petroquímico e o Estaleiro Atlântico Sul funcionam como verdadeiras âncoras no processo de atração de novas empresas.
Com todo esse movimento, o mercado nordestino se torna mais atraente aos olhos dos investidores. O secretário de Indústria, Comércio e Mineração da Bahia, James Correia, acredita que o Nordeste vive uma situação privilegiada em função do processo de distribuição de renda. "Em 2009, o Nordeste foi responsável pela venda de 32% das motos, enquanto que o Sudeste vendeu 28%", exemplifica, acrescentando que uma indústria chinesa de motocicletas, a Miza, vai instalar uma fábrica na Região Metropolitana de Salvador atraída pelo crescimento do consumo nas classes C e D no Nordeste. Um investimento de R$ 11 milhões, com previsão de gerar mil empregos.
Correia acredita que os incentivos fiscais ajudam na hora da decisão das empresas. "Um carro produzido na Ford da Bahia custa em média US$ 2,4 mil mais barato do que em São Paulo", ilustra, referindo-se à redução de 75% do Imposto de Renda Pessoa Jurídica. Além da Miza, a Bahia estaria atraindo mais duas empresas do ramo automobilístico, novas indústrias de bebidas, calçados e petroquímicas. Em janeiro de 2010, o estado foi responsável por 77% de todos os empregos gerados no Nordeste com carteira assinada.
A economia da Bahia sempre foi a maior do Nordeste. Mas Pernambuco vem diminuindo essa diferença. Em 2009, o estado cresceu 3,8% e, a Bahia, 3,1%. A expansão no setor da construção civil foi de 15,5%, ficando responsável por 25% dos 46,7 mil empregos formais gerados. O empresário Eduardo Vasconcelos, 29 anos, atua nesse ramo. Com uma renda cerca de 20% maior no ano passado, ele pôde comprar um segundo imóvel e novos eletrodomésticos para sua casa - quatro aparelhos de ar condicionado, máquina de lavar, duas TVs de LCD, entre outros.
"O mercado está aquecido. Quando a economia melhora, fica mais fácil para todo mundo comprar bens duráveis", depõe Eduardo. As previsões para este ano são ainda mais otimistas. O governador Eduardo Campos tem dito que 2010 será "o ano de Pernambuco". O secretário de Desenvolvimento Econômico, Fernando Bezerra Coelho, garante que o estado "vai bombar". De 2007 para cá, mais de 350 empresas se instalaram em Pernambuco, com investimentos superiores a R$ 4,3 bilhões. Entre elas a Sadia, inaugurada em março de 2009 em Vitória de Santo Antão. Em Suape, estão em curso investimentos da ordem de US$ 15 bilhões. (M.B.)
Muito além das 3 maiores economias
Como na Bahia e em Pernambuco, o mercado do Ceará também segue aquecido. Estimativas indicam que o PIB do estado cresceu 6,5% em 2008 e 3,1% em 2009. A economia ainda está muito focada na atividade turística, mas a indústria também dá sinais de aquecimento, sobretudo na área da construção civil, cuja expansão foi de 4,4% no ano passado. Mas é preciso pensar o Nordeste para além de suas três maiores economias. Uma nova fronteira agrícola está se expandindo no sul do Maranhão e do Piauí, mudando a face de estados marcados historicamente pela pobreza.
O Nordeste detém 45% da força de trabalho na área rural, sendo responsável por 17% do total da área plantada no Brasil e cerca de 10% da produção, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O oeste da Bahia (região de Barreiras) é a maior fronteira agrícola da região, com quase 3 milhões de hectares plantados. Na safra 2009/2010, a produção alcançou 6,37 milhões de toneladas de grãos.
No Maranhão, entretanto, municípios da Balsas também têm se destacado nessa atividade, com predominância das culturas de sequeiro (milho, feijão, algodão, soja, arroz), num esquema intensivo de alta produtividade. Na safra atual, a produção prevista é de 2,5 milhões de toneladas. Já no Piauí, o polo Uruçuí-Gurgueia, também tem chamado atenção quando o assunto é a produção de grãos, principalmente soja, arroz e milho. O estado produziu na atual safra quase dois milhões de toneladas. Não à toa, o PIB do Maranhão cresceu 9,1% em 2007 e, o do Piauí, 2,0%.
A dinâmica recente dessas atividades, inclusive, foi o que justificou a construção da ferrovia Transnordestina, que o presidente Lula visita nesta terça-feira em Salgueiro, no Sertão. A ideia da obra, que está orçada em R$ 5,4 bilhões, é que os trens façam o escoamento da produção de grãos (junto com a gipsita do Araripe e frutas do São Francisco) para os portos de Pecém e Suape, retornando com combustíveis. O ponto de embarque é no município de Eliseu Martins (PI).
Para o economista Jorge Jatobá, da Ceplan, o desenvolvimento de novos polos econômicos é fundamental para diminuir a distância entre o Nordeste e o Sul-Sudeste. "O Nordeste está evoluindo mas o Brasil também. É preciso melhorar as políticas para que esse crescimento seja sustentável e possa, de fato, diminuir as diferenças, porque o Nordeste ainda é uma região muito vulnerável", conclui. (M.B.)
Nordeste, a locomotiva do Brasil
01/06/2011