O sol da manhã já era forte quando o desempregado Joctã Jetro Paulo da Silva, 32 anos, deixou o calor em segundo plano. Suado, andava rapidamente rumo ao Estaleiro Atlântico Sul. "Estou com uma entrevista marcada para daqui a pouco", falou sem interromper a caminhada. A caminhada era forçada. Sem o direito de viajar num dos 860 ônibus fretados pelas empresas, o soldador se valeu da única linha do sistema de transporte público que dá acesso ao Complexo Industrial e Portuário de Suape.
A viagem saindo do Cabo foi rápida, mas com reclamação. Joctã queixou-se da distância do ponto do coletivo para o estaleiro e dos intervalos entre as viagens. Foram mais de dois quilômetros a pé percorridos por ele, distância grande para os que, sem-carro, sonham com um emprego no complexo que está mudando a econonia do estado. E que obriga os governos a ampliarem projetos e investimentos para a área de transporte.
Os números relacionados ao complexo justificam a preocupação com o que se pode chamar de fator Suape. No ano passado, a média diária de circulação de veículos no complexo ficou em 1.208 unidades. Dessas, 631 carros eram pesados. Entre esses estava o vai-e-vem dos ônibus da linha que liga o Cabo ao porto. A média deve crescer este ano.
"Fico impressionado. Todo dia tem gente diferente por aqui", constata o montador José Severino de Lima Filho, 37. Sem direito a usufruir dos 860 ônibus fretados, José Severino, morador de Igarassu, sonha com um transporte público de melhor qualidade no complexo. "Se ficar o que está aí não vai dar certo", complementou. A seu ver, seria bom que as melhorias viessem logo. Por razões simples. As obras da Refinaria Abreu e Lima, por exemplo, terão a quantidade de trabalhadores aumentada bastante. No empreendimento trabalham cerca de seis mil pessoas e deve alcançar nove mil até dezembro. Nem todos terão acesso a ônibus fretados pelas empresas.
As projeções animam a economia. Por outro lado, requerem planejamento e investimento alto. Se hoje cerca de 48 mil pessoas atuam no complexo daqui a dezanos deve ultrapassar os cem mil.
O Metrô do Recife (Metrorec) trabalha com uma demanda de 120 pessoas diárias em 2010 e estima uma demanda de 53 mil passageiros hoje. Na linha de ônibus exclusiva para o complexo, nos sentidos porto e Cabo, circula uma média de 1,3 mil passageiros por dia em apenas 34 viagens.
O pequeno número de viagens, segundo o Grande Recife Consórcio de Transporte, está adequado à demanda e constantamente avaliado para possíveis mudanças.
O operador de empilhadeira Luiz Bezerra, 53, soma-se a Joctã e a José Severino na lista dos 1,3 mil passageiros. E tem esperança de continuar por um bom tempo, embora sonhe em desembarcar na porta do trabalho. O desejo é justo. Depois de pegar dois ônibus até a empresa, Luiz, que havia acordado antes das 5h, se esforçou para pular as muretas de segurança que separam as vias internas do complexo. Apressou o passo para fugir do sol quente. Ficou atento aos carros que passavam, pois sonhava com uma carona.
Depois de onze minutos de caminhada, o milagreveio. Um ônibus parou. "Vocês também vão de carona?", gritou o operador para os repórteres do Diario já agarrado ao puxador da porta. Não podíamos contrariar Luiz, que de sorriso largo agradeceu ao motorista. "Ainda bem. Apareceu um filho de Deus", frisou. Metros adiante, José Severino e dois amigos também subiram no coletivo. Eram pouco mais das 7h.
Minutos depois, a afirmação da administração do Complexo de Suape de que os governos estadual e federal estavam atentos ao item transporte. Segundo o diretor de Gestão Fundiária e Patrimônio Inaldo Campelo, estão sendo investidos R$ 190 milhões em obras.
Os investimentos facilitam o acesso dos ônibus fretados, que só para o estaleiro são 120 diários, dos automóveis e dos veículos de carga. Incluem-se aí as duplicações das vias internas do complexo, a duplicação de trecho da PE-60 e a construção da via expressa. Essa via, com oito quilômetros, permitirá que os carros com destino ao complexo deixem de circular pelo trecho urbano da PE-60, no Cabo.
"O desafio é grande", admitiu Inaldo Campelo. Acrescente-se: exige ações rápidas e contínuas. Afinal, a velocidade de crescimento do complexo é assustador. Hoje são 96 empresas e há 29 empreendimentos em construção. A lista de ações inclui a recuperação da antiga linha ferroviária com o término no complexo.
Com estragos físicos aparentes, a velha Estação Massangana continua de pé e os trilhos tomados pelo matagal. O cronograma da recuperação ainda não foi fechado, mas, segundo o diretor, os recursos já estão assegurados. Serão R$ 83 milhões. Quando pronta, a linha contará com quatro veículos leves sobre trilho (VLTs). Cada veículo terá seis vagões, com capacidade de transportar 1,2 mil pessoas por viagem. Que sejam rápidos: o início de funcionamento e a velocidade de deslocamento.
O fator Suape
31/05/2011